quarta-feira, 22 de novembro de 2006

"Manifesto-me!"

Queres os meus olhos?
queres decorar o caminho que as lágrimas descrevem no meu rosto?
prova o sentido da vida!
escreve poesia num beco escuro
e sofre,
filho de uma grandessíssima mãe frígida.
sopra tempestades
e pó
e árvores inteiras!
e tem fôlego para gritar mil vezes liberdade,
aquele copo de sangue,
aquele rosto de silêncio
e tu,
poeta,
maldito
cão!
coisa imunda sem nome
és ordinário.
vá, respira-te!
inspira o teu ar cansado, triste, mudo
vai lá montar aqueles cavalos snobes…
monta puta, monta,
tu que nem coragem tens para seres tu próprio
corta os pulsos,
bebe o teu sangue, podre, gasto, seco…
és tão podre…que nem a terra te vai engolir
vai cuspir-te, vomitar-te
e vais ser esquecido pelo tempo e pelas gentes
queres ser poeta?
queres ser eu?
tens mesmo tomates para isso?
queres ser o autismo de um cravo jogado no chão
queres escrever poemas só com uma golfada de ar
queres poder ver os poetas abraçando as flores…
queres beijar a solidão na boca,
queres ser o vento por debaixo das asas de um pássaro…
queres beijar os olhos de uma mulher e lamber-lhe o sexo sem lhe tocar
eu sei o que tu queres…
queres ser poeta?
queres ser maldito?
queres ser eu?
então…Sê!
por favor sê!
toma o meu lugar, leva tudo!
e morre!

Pedro Afonso

In "O Gesto do Vento"

ps: poema dedicado a todos os Dantas deste Portugal

 

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei.
Simplesmente adorei esta manifestação bruta em essência da alma do ser Poeta.
Manifesta-te =)